Entregue ao mistério de mim mesma, aquele que tantas vezes sinto presente e que raramente confesso aos outros. Sentada ao fundo, oferecida a um café de chávena longa, rendida a um livro, pousada num lápis... no miradouro de mim mesma.
Queria tanto fazer as pazes contigo!
És o momento em que a realidade se impõe em toda a sua nudez... começam a surgir as questões, até as metafísicas!
Outono...
Contigo não se pode brincar, pelo contrário, és tu que brincas connnosco e nos escondes coisas ou nos impões recordações quando, como e onde queres!
Costumas aproveitar-te daqueles dias em que o frio ainda é "assim assim" para te colares aos detalhes, e o pior é que lutar contigo é uma guerra inutil, perdida de antemão... e tu sabes disso...
Entre um chá e outro lá vêm os pormenores guardados entre folhas de livros já lidos, o conjunto das coisas que só estorvam e até já estavam armazenadas naquelas caixas a que não voltamos a não ser muitos anos depois.
Elas, as lembranças vêm, como encomendas, embrulhadas em papel pardo. Velhas, como se fossem novas, a acabar de estrear...
Aos poucos, deixo de sentir as vertigens deliciosas dos dias que passam a correr e dão lugar á pacatez de um dia de cada vez.
Torna-se obrigatório olhar pela janela, emoldurar os dias que já lá vão... Os cheiros, esses, vão sendo abafados pelo odor a terra molhada, a uvas, a vindima...
ps - Este ano vou fazer as pazes contigo, receber-te de braços abertos!
Fecho a porta de casa e sinto a pele fria, a sensação de saudades que só o Outono nos oferece, a sensação de que uma nova estação virá... a espera das pantufas, o aquecedor e aquele chá quentinho que aquece até a alma e nos faz sonhar e desejar os dias quentes e solarentos...
... é quase tempo de descascar e saborear uma laranja ao sol.. sentar no chão, num banco velhinho que o tio Chico deixou para nós e recostar na parede branca pintada pela claridade do sol.
É esse o tempo de recordar, de arrumar, de (re)sentir tudo o que o verão nos deixou, de voltar a olhar as chamas da lareira e ficar... ficar... de olhos fechados!
É tempo de suceder e anteceder, de desacelerar a correria desenfreada e incessante pelo amanhã...
... É tempo de "Guardar só aquilo que é bom de guardar" de abraçar tudo o que o tempo nos deu
... É tempo de não fugir a sete pés desta estação que nos permite o encontro connosco, do silêncio que aí reside, do eco que nos leva a olhar para dentro e nos confronta com os meios, as duvidas, as angustias e também as certezas e as convicções mais profundas...
OUTONO! Espero por ti!!!!
"Mas é preciso morrer e nascer de novo
Semear no pó e voltar a colher
Há que ser trigo, depois ser restolho
Há que penar para aprender a viver" Mafalda Veiga
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