Não sei muito bem se é um ritual, mas é por certo um daqueles momentos que se repetem todas as semanas e que fazem tão bem à alma e a todos os cantos do corpo...
É aqui que se fala de tudo, mas tudo mesmo, desde política, paixões, tabus, planos e ás vezes de nada!
A sexta-feira, porque é o último dia da semana, porque nos permite ficar... ficar... conversar, preguiçar até mais tarde, sem que isso também seja uma obrigação!
Não há uma hora marcada, presenças confirmadas, nem lugares cativos!
Em casa, na tasca da vila, ou num outro recanto qualquer! Pouco interessa a ementa...
Tudo começa com um bom copo de vinho, sempre tinto e às vezes carrascão!
Queria tanto fazer as pazes contigo!
És o momento em que a realidade se impõe em toda a sua nudez... começam a surgir as questões, até as metafísicas!
Outono...
Contigo não se pode brincar, pelo contrário, és tu que brincas connnosco e nos escondes coisas ou nos impões recordações quando, como e onde queres!
Costumas aproveitar-te daqueles dias em que o frio ainda é "assim assim" para te colares aos detalhes, e o pior é que lutar contigo é uma guerra inutil, perdida de antemão... e tu sabes disso...
Entre um chá e outro lá vêm os pormenores guardados entre folhas de livros já lidos, o conjunto das coisas que só estorvam e até já estavam armazenadas naquelas caixas a que não voltamos a não ser muitos anos depois.
Elas, as lembranças vêm, como encomendas, embrulhadas em papel pardo. Velhas, como se fossem novas, a acabar de estrear...
Aos poucos, deixo de sentir as vertigens deliciosas dos dias que passam a correr e dão lugar á pacatez de um dia de cada vez.
Torna-se obrigatório olhar pela janela, emoldurar os dias que já lá vão... Os cheiros, esses, vão sendo abafados pelo odor a terra molhada, a uvas, a vindima...
ps - Este ano vou fazer as pazes contigo, receber-te de braços abertos!
San Sebastian - Donostia...
Algures entre o sonho e a realidade fica uma terra onde para nós a hospitalidade foi bem portuguesa.
A meio caminho do desconhecido, a um passo do regresso a casa, terreno fértil de escritas, de mochilas, ondas e surfistas, tudo se identifica em duas linguas...
Lugar de tempo insuficiente... Em tão poucos dias já ali pertencia, as ruas dizem bom dia, os supermercados e as frutarias...
Há sempre um último destino, uma última paragem antes do regresso! Porquê?
Obrigado rapazes! até um dia...
Percorre-me o medo de não conseguir armazenar tantas histórias e memórias, o poder oxidante do tempo transforma tudo em quase nada...
O regresso a casa faz-se prever a cada solavanco desajeitado do sud-express. Comboio sem comodidade, recheado de um passado cheio de histórias que atravessavam o percurso Lisboa- Hendaye, sejam elas representadas por turistas, emigrantes ou simplesmente pessoas sem destinos ou encontros marcados.. Talvez, para alguns, apenas um lugar para escrever, pensar.. um lugar iluminado pelo nascer do sol e pelo café quentinho que se faz arrefecer entre mãos.
Durante a noite há um sem fim de aventuras, de quem regressa, para contar. Faz-se sentir um ambiente de nostalgia de um passado recente, que se junta naquele comboio, como se fosse uma ponte para os dias que aí vêm, a normalidade.
É nos corredores que todas as experiências se trocam de boca em boca. É ali que todos os momentos de desespero, eventualidades, planos trocados e não planeados, noites mal dormidas, o ultrapassar dos limites, comboios perdidos... tudo se transforma! Ali e agora, numa ou mais histórias de aventuras contadas com um brilho intenso nos olhos, um misto de saudosismo português, conquista lusa e todo o passado que nos corre nas veias.
Reina uma nobreza de ser igual, um compromisso selado pelas mochilas pesadas que se carregam nas costas e as fazem curvar..
Estas linhas cilindradas por um comboio de regresso a casa, fazem-se alinhar num album perfeito, independentemente da caligrafia, o local ideal para ternimar ou deixar adivinhar o fim de qualquer história.
São linhas que se pautam entre vales, ao longo da serra, à beira de rios e casas que com o decorrer do percurso se podem etiquetar por zonas, por necessidades, por climas..
Há mesmo qualquer coisa de diferente, de extraordinário, no contar de histórias a bordo de um comboio que regressa a casa, uma partida sem regresso, um chegar de concretização e realização..
A minha aventura é a mais emocionante, os maiores riscos fui eu que os corri, como não? se fui eu a personagem principal!... mas é tão bom ouvir.. deixarmo-nos encantar por destinos de outros que talvez sejam um dia nossos também.
Tudo parece ter, ali, apenas o preço do desejo. O planear e o concretizar têm o menor custo que depois é recompensado com a elevada vantagem ao longo de cada caminho..
Caminhos e histórias que estão ainda à flor da pele!
Lugares diários