Para trás ficou Firenze e os seus gelados fantásticos, a ponte que hoje e desde há seculos aprisiona, mantém e solidifica o amor de alguém. Cadeados e mais cadeados, Tradição rima com proibição e unem-se como magia dessa mesma ponte..
Para trás fica Pisa.. de encanto me deixa apenas a sua torre torta e os turistas que à sua volta se fazem fotografar, imortalizando o momento ao custo de um "clic".
Caminho agora, depois de breves horas de sono inacabado numa estação de comboios, frente ao gabinete da polícia.. Caminho a bordo do comboio irreal e indescritível, de gentes cujo padrão é impossível uniformizar. São pessoas, bagagens espalhadas pelo chão, iluminadas por uma luz ténue e mortiça de corredor que nada tem de encanto.
Proponho-me a olhar tamanha falta de privacidade, detenho-me a cada cheiro provindo de cada corpo que passa e que de tão próximo me obriga a provar, tão grande invasão!
Faz-se silêncio, ou assim me parece, tamanho é o ruído do deslizar das carroagens, a dureza de ferro com ferro, de gente com gente.
Há um escuro profundo lá fora que não se deixa abalar pelo silêncio ensurdecedor, um tom preto que deixa espaço suficiente à imaginação, que permite brincar ao "que estará para além".. Um espaço entre o nada e o infinito, um intervalo aberto..
Daqui guardo um lugar que outrora era apenas provável na minha imaginação. A imagem de bêcos que arrastam indícios de promiscuidade, rodeados por canais, gôndolas e turistas provindos de todos os cantos do mundo.
Guardo um final de noite ao som de música clássica, um soar de três pianos em tertúlia em plena praça de São Marcos.
Um regressar depois da hora, marcado por passos escuros que mal deixavam adivinhar o contorno do rosto de que passa..
Guardo um encontro improvável com uma viajante de todo o mundo com passagem no Porto com P de Portugal e aqui.. e com a Austrália como pano de fundo sem dia e hora marcada.
Guardo uma lingua cantada com uma elegância, como nenhuma outra..
Guardo o "je je je" Português aos ouvidos de um italiano.
Guardo o peso da mochila às costas que se enche de surpresas, encanto e suspeitas a cada esquina.. Um peso que não pesa!
Lembro o Didici da porta do quarto, Marco Bellini, os bacis que enviei por telefone, o Buongiorno que recebi na recepção..
Sempre gostei de reticências..
O ponto final foi coisa que nunca me agradou, nem tão pouco o último dos três pontos..
Ponto final sabe-me a fim, a despedidas repentinas e eu gosto daqueles fins e despedidas prolongadas como a imagem da parte traseira de um carro dos anos vinte, que se afasta vagarosamente, ao relantim, à pouca velocidade que era permitida não por imposição. Um alongar de caminho, entre árvores, num percurso de terra batida. Dentro do engenho, conduzido por um motorista de cartola negra, uma moça, a acenar devagar, com a sua mão igual a uma concha acomodada dentro de uma delicada luva de renda branca.. assim
A minha melhor tradução de despedida é o silêncio, aquele que se deixa para quem o acolher.. Há sempre muito que tem para contar ou mais o que deixa por dizer..
Adeus Hipólito..
Não sou de monotonias, rotinas ou datas marcadas..
É certo que como dizia uma professora que muito admiro, também eu "não faço planos para não atrapalhar os planos que a vida tem para me dar". Gosto do presente que o presente tem para me oferecer!
Mas este é um tempo e um lugar a que nunca falto... independente das bandas, cantores e afins. É um tempo de encontros, os de sempre...
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