Um cabelo branco
O primeiro por entre os meus cabelos fartos e negros
A evidência do abandono do tempo em que os pés nem tocavam o chão, num corpo para cá e para lá movido por um balancé preso numa ameixeira
Não há regresso
Em breve serão salpicos
Eu que segundo alguém, escrevo "Por vezes de forma completamente hieroglífica, ou com tantos códigos implícitos que se vivêssemos na época da inquisição todos os textos passavam, porque diziam tudo e não diziam nada, referiam-se a todos e não se referiam a nenhuns..."
Hoje escrevo...
É o tempo o responsável, todos o temos, fazemos dele o que bem queremos sem nos darmos conta que é ele que domina, que é ele que dita as regras e parece tornar banal a nossa existência. Dá com uma mão e tira com a outra...
Um simples compassado tic e tac apaga ou transforma, constroi, termina, abala... seja ele forte ou piano, chega com pés de ladrão, e assim ele passa por caminhos rasgados por passos repetidos naquele mesmo lugar, como os trilhos que vão ficando marcados no nosso rosto a que chamamos simpaticamente "rugas de expressão", pegadas que denúnciam hábitos, que condenam a leitura da contagem dos anos, provam a passagem abrupta dos dias de que nos lamentamos ou pretendemos tornar eternos...
Tudo muda quando alguém nos diz "estás na mesma", quando ouvimos com atenção aquela canção, quando recordamos a cristaleira da casa dos avós, quando nos ouvimos dizer "socorro! chamaram-me senhora" e nos encontramos com uma camisola desbotada.
Já nada importa, as pieguices tornam-se fúteis, a partir desse dia, que não tardará em chegar, engulimos os dias inúteis e passamos a viver avidamente, engomando os episódios amarrotados, dando-lhe um valor que outrora não mereceram, olhando-os como dragões que vencemos e nos tornaram mais fortes.
Do vazio fazemos o espaço mais ocupado, dizê-mo-lo, com autoridade, um lugar nosso, esquecemos a culpa fintando-a com cremes anti-rugas.
Ganhamos a ambiguidade de olhar o futuro com desdém e como um tesouro que pretendemos encontrar, de olhar o passado que desejamos apagar e tornar menos longo e como uma relíquia, uma feia jóia de família valorizada pelo tempo.
Sentimos um buraco no peito!
Tempo... continuo a querer-te!
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