Sempre gostei de reticências..
O ponto final foi coisa que nunca me agradou, nem tão pouco o último dos três pontos..
Ponto final sabe-me a fim, a despedidas repentinas e eu gosto daqueles fins e despedidas prolongadas como a imagem da parte traseira de um carro dos anos vinte, que se afasta vagarosamente, ao relantim, à pouca velocidade que era permitida não por imposição. Um alongar de caminho, entre árvores, num percurso de terra batida. Dentro do engenho, conduzido por um motorista de cartola negra, uma moça, a acenar devagar, com a sua mão igual a uma concha acomodada dentro de uma delicada luva de renda branca.. assim
A minha melhor tradução de despedida é o silêncio, aquele que se deixa para quem o acolher.. Há sempre muito que tem para contar ou mais o que deixa por dizer..
Adeus Hipólito..
Depois de uma infância a ouvir canções lamechas "Loves changes everything"... Anos 80 soaram sempre a marmelada cor de rosa e tons pastel.
Bandas e vocalistas disputavam arduamente o troféu de lamechice. Letras causticas para a falta de esperança, o alimento mais nutritivo para quem acredita no final feliz
E os filmes?
É por essas e por outras que eu tenho dificuldade em ter os pezinhos na terra!
Há lugares não traduzíveis por palavras, cada momento, sensação, emoção não tem palavras certeiras nem aproximáveis. Não existem palavras dignas, palavras espelho.
Tudo o que é "de dentro" é, por vezes, irremediavelmente "só nosso", impossível de partilhar com que não o vive, não experimenta.
A tristeza, a emoção, o desejo, a euforia, a saudade e tantos outros sentimentos e sensações são coisas do mundo de dentro ... se as palavras tivessem avesso... sim, se as palavras tivessem avesso talvez aqui conseguisse descrever o que hoje não consigo!
Amsterdam, saudades tuas
Vôo 1692...
"Se devagar se vai ao longe, devagar te quero perto mesmo que o que arde nunca se cure vou beijar-te a sol aberto" Sergio Godinho in Definição do Amor
... é voltar!
Escrevo-te...
... para te dizer que me sinto feliz só de pensar que olhamos o mesmo céu!
Fazem-me falta as palavras que te digo... Devolve-me o tanto que tenho para te dizer!
Faz-me falta o cansaço, a mochila a pesar nas costas... Devolve-me as pernas que me permitem voar!
Fazem-me falta os dias que passam como um sopro... Devolve-me essa brisa, esse vento!
Fazem-me falta as gargalhadas que fazem eco numa praça qualquer... Devolve-me o espelho que sorri, uma lágrima de rir!
Faz-me falta a tua tonalidade... Devolve-me o pincel que pinta as cores que visto!
Faz-me falta a dor de barriga do inesperado, o beijo roubado... Devolve-me os pelos que eriçam!
Faz-me falta a protecção do teu braço a cobrir-me os ombros... Devolve-me o sol clandestino que me queima a pele!
Tenho saudades... de te olhar longamente...
io aspetto...Baci!
René Magritte
Acordo..
Os olhos estavam baços... cerro-os, esfrego-os com veemência como quem quer penetrar além do atingível!
O teu rosto? pergunto-me e arrisco-me a requestá-lo nos breves instantes que se seguem...
Destapo todos os episódios, desobestruo todas as portas, escavo um beijo distraído, invado museus, corro por ruas e artérias, ingresso na cólera de um filme mudo.. nada!
Sinto um náufrago no peito, por instantes fico a boiar no infinito a consumir pirulitos por conta própria!
Este acordar carnívoro nos mornos lençois faz-me abandonar o chão, abala a realidade de todas as coisas...
Que agonia é esta? Que me segue os passos, que me espreita os gestos, que me assombra o corpo, que me acorda de noite e me grita de dia?
Rendo-me?
Cinco e meia da tarde, meia para as sete da hora antiga. Sento-me ao pé de mim para escrever, a caneta leva-me até ao último e unico andar do prédio, mais precisamente ao quarto vazio que mora dentro de mim!
Nesse quarto recheado de nada, noite após noite ouço um ruído que ensurdece o silêncio, um compasso proveniente de um relógio de parede que faz a soma dos dias como se de uma calculadora barata se tratasse.
Ao longo das quatro paredes brancas que me envolvem, estende-se a sombra imensurável de uma cadeira de baloiço que ainda se move...
No canto, amachucada e no chão, encontra-se uma folha descolorida, com palavras rasgadas e garatujadas de um dia mais colorido que aos poucos foi perdendo a tonalidade... já nada se lê! sobraram apenas as reticências e os "ses".
O vento que despreza a rua, entra sem pedir licença, entranha-se nas cortinas e desvenda o quotidiano, desenhos sobre a normalidade das pessoas que oferecem os "bons dias" umas ás outras... Chego-me à janela para ver!
Tropeço agora no tapete que outrora esteve estendido, bordado a fio de suspiro e estampado de imagens de momentos que me rasgam as defesas
Bocejo, fico enfadada, aconchego-me e preparo-me para passar mais uma noite em branco com receio de que os sonhos venham visitar-me e eu, por desleixo, esteja a dormir...
Hoje que o temperatura baixou senti saudades tuas!
Lembrei-me do ruído provocado pelas botas que pisavam os trilhos de neve,
Senti a importância da presença dos amigos,
Relembrei o sabor amargo e salgado das lágrimas que caiam uma a uma no prato da sopa,
Ouvi palavras oucas de uma lingua distante,
Percorri lugares da minha memória que o tempo jamais apagará,
Vi caras que ficaram gravadas num espaço que guarda "pessoas desconhecidas",
Hoje recordei-te!
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