Quando viajo, levo sempre comigo uma pele sensível, pronta a receber todas as sensações como verdades que entram por mim adentro e se tornam memórias fieis que se propagam, multiplicam e demoram...
Um pé de cada vez, assim ordena a chegada a esta cidade do mundo, de dois mundos...
A confusão separa-se pelo rio Bósforo e assim une a Ásia à Europa e torna dois continentes tradicionalmente distantes em mundos atravessáveis em pouco mais de vinte minutos de barco.
O vento está arrefecido e o seu efeito na minha pele mistura-se com um frio de medo que sinto na barriga à medida que me aproximo da ponte, do lado de lá, o passar da barreira, do conhecido confortável... sinto um longo arrepio
De um lado ou outro, o horizonte, esse, é pontilhado por minaretes que anunciam mesquitas perdidas e achadas entre o emaranhado de ruelas e gentes que se acotovelam... ali tudo pára, o silêncio leva-nos à nossa essência.
Uma intrusa, assim me sinto, e como é boa esta sensação... um peixe fora de água
Há aqui algo de inquietante que faz perder os pontos de referência.
Vagueio e atravesso séculos, histórias de sultões polidas pelo tempo, banhadas por um cheiro a especiarias que acordam do bazar egipcio e me fazem deslizar até ao coração de Istanbul...
Merhaba
Porta da felicidade, chamam-lhe, dizem até (ou pelo menos assim o é na minha imaginação) que aqui há uma passagem secreta que leva a crer que este estado é permanente, aqui.
Gosto de confiar em histórias, sempre gostei e nunca tive razão para as desacreditar e talvez por isso as perpetue todos os dias como a minha verdade, aquela que tenho para oferecer não fosse ela uma boa forma e receita de ancorar em portos seguros, quando as tempestades arrogantes se aproximam, quando um comboio parece ameaçador ou quando ainda, perdidos no meio da floresta, os troncos das árvores outrora verdejantes e simbolo de vida e crescimento se tornam trepadeiras que nos levam além do escuro e do desconhecido que tememos. São elas, as histórias que nos impelem para a procura da plenitude, superando obstáculos e acreditando que vamos conseguir, sim!
Este é um destino que embora não constasse do meu mapa, devagar, se está a tornar meu, tijolo a tijolo, ainda até antes de chegar à sua margem, ao cais onde atracam as águas de seus mares. Aos poucos hei-de transpor, atravessar e rasgar a distância deste encontro que nasceu do nada e que se transforma todos os dias assim que fecho os olhos...
Caminho nas suas ruas, no meu universo de criação... imagino os mercados de gentes com traços ora europeus ora asiáticos apregoando sabe-se lá o quê, num murmurinho de dois mundos unidos num só. Chega-me um cheiro a jasmim, afiguro-o oriundo de um daqueles cachimbos de água turca. Ainda não sinto o clima, não consigo imaginá-lo muito frio, ao contrário do que apontam as leituras que o apresentam e o tratam por tu com uma precisão de relação muito íntima... aos poucos, pé ante pé, vão chegando as sensações que em dia com hora marcada aqui se tornarão verdade.
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